domingo, 27 de março de 2011

Os Super-Carros do Sultão do Brunei

Se mais provas são necessárias para a incrível disparidade da distribuição da riqueza monetária neste planeta, basta olhar simplesmente para os "paraísos" financeiros dos países que lucram à custa do cada vez mais precioso "ouro negro", que é como quem diz: o petróleo.


Veja-se o caso da colecção de super-carros do Sultão  do Brunei (mas aproveito para relembrar que este Sultão ainda é daqueles que até é considerado amigo do seu povo, e que no Natal costuma fazer coisas como oferecer uma consola a todas as crianças do país, etc.)

Com apenas 388 mil pessoas e de dimensões reduzidas, o Brunei passará despercebido à maior parte do mundo. Mas o seu estatuto de país produtor de petróleo faz com que a sua riqueza seja inversamente proporcional à sua área.
Durante décadas, o Sultão do Brunei esteve no lugar cimeiro dos monarcas mais ricos, com uma fortuna avaliada em 22 mil milhões de dólares.
Perante tais valores, não admira que o pessoal do Sultão mantenha um Rolls Royce a funcionar 24h por dia, 7 dias por semana, à porta do Palácio, para que esteja sempre pronto e "fresquinho" sempre que o Sultão decidir sair.

Embora a colecção de 2500 automóveis de luxo seja frequentemente atribuida ao Sultão, a sua maioria pertence efectivamente ao seu 3º irmão, o Príncipe Jefri e outros irmãos e sobrinhos.


No entanto, as coisas não correram muito bem a este Príncipe... que em 1997, enquanto era Ministro das Finanças, afundou a sua empresa de investimentos num buraco superior a $10 mil milhões em dívidas (e mais tarde veio a descobrir-se que Jefri tinha recebido para si mais de $14 mil milhões! - Assim é fácil ser rico...)

Mas não se pense que ficava barato manter uma vida de príncipe. Para além das suas 5 esposas e dos seus 17 filhos, Jefri tinha ainda que manter o seu harém de 40 mulheres, onde cada uma recebia cerca de $20,000 dólares semanais, para além das opulentas viagens de compras, ou passeios a bordo do iate de 180 pés do príncipe (aptamente chamado "Tits").

Com os processos contra si instaurados pelo governo do Brunei, o Príncipe não teve outro remédio senão começar a devolver parte dos seus bens: 500 propriedades no Brunei e no estangeiro, 5 iates, 9 aviões, 100 quadros, e...  mais de 2000 automóveis.
Não admira que certos clientes sejam priveligiados pelas marcas de luxo. O príncipe gastou mais de $78 milhões na Pininfarina para a construção de Ferraris modificados, e mais de $475 milhões na Rolls Royce.


E é aqui que começa a história, contada por um vendedor de carros exóticos:

No início de 2002 ofereceram-me um pacote de 13 Ferraris muito especiais e McLaren F1s da sua colecção por um importador do Brunei. Depois de algumas negociações acordei comprar dois McLarenss, um F40 LM e um 288 GTO Evoluzione, com a opção de comprar mais 16 McLarens e Ferraris, para os quais já tinha compradores.


Em Maio de 2002 voei até ao Brunei e lá fiquei durante três dias, no Empire Hotel. Encomendado pelo Princípe Jefri e tendo custado $1.1 mil milhões, este Hotel tem um átrio de 36 metros de altura suportado por colunas de mármore folheadas a ouro. Tem sete restaurantes de quatro estrelas, um campo de golfe, praia, piscina gigante, cinema, bowling e tudo o mais que se possa imaginar. Tem 500 quartos de luxo opulento, e 66 suites ainda mais luxuosas. Nunca vi mais que algumas dezenas de pessoas no hotel, e apenas durante o pequeno-almoço. (O Brunei não atrai muitos turistas, em parte devido à proibição do alcool pelas leis Islâmicas.)

Uma vez que já tinha sido aprovado para fazer a inspecção aos veículos, vieram buscar-me ao Hotel. Era um ex-oficial das forças especiais Neo-zelandesas que trabalhava como guarda-costas para o destacamento de segurança da família real. A apenas alguns quilómetros de distância, chegamos ao local. Fortemente guardado e rodeado por muros altos com arame-farpado, com um portão de alta-segurança; tal como uma prisão de máxima segurança. Lá dentro, fomos até um posto de segurança onde entregamos os passaportes e câmaras.

Passamos por 8 edifícios de 2 andares, com cerca de 75 por 18 metros, com cada andar a servir de garagem para cerca de 120 automóveis. Cada andar tinha o seu próprio "tema"; uns dedicados à Porsche, outro dedicado a Mercedes 500s,  enquanto noutro andar se guardavam os modelos feitos à medida de Rolls Royces, Bentleys e Aston Martins.
Noutro andar encontrávamos os Ferraris mais recentes: umas dúzias de 456s e 550s, alguns deles equipados com caixas automáticas experimentais. Meia dúzia estava pintada com tinta preta mate que absorve sinais de radar, e equipados com câmaras de visão nocturna - e não esquecer que isto era nos anos 90, quando tais coisas seriam consideradas quase ficção científica.

Mais um andar recheado de Testa Rossas, 512 TRs e alguns 512Ms Spyders. Outro andar com Ferraris feitos à medida, com três ou quatro 456 de quatro portas, quatro 456 Venice Cabriolets, alguns 456 Venice station wagons, cinco FXs, um par de Mythos e um bastante feio a que chamaram F90. Para quem aprecia os clássicos, existia ainda um único RHD 275 GTS com o número de série 7795.

Entre os oito edifícios existia um outro edifício com paredes de vidro, tal qual um concessionário de automóveis. Nele estavam três McLaren F1s, um 288 GTO Evo, um F50 e um F40 LM. O F40 LM era preto, com interior em couro preto e tubagens em vermelho. Obviamente, estava equpado com A/C, vidros eléctricos, e com volante à direita (como todos os outros carros da colecção). Graças ao sol do Brunei e as paredes de vidro, este edifício tornava-se numa autêntica estufa. O A/C do edifício estava desligado, como em quase todos os outros, e combinado com a humidade, já se imagina ao que estes carros tinham que sobreviver. Por baixo deste edifício, numa zona sem janelas, tinhamos mais uma fila de F40s, alguns 288 GTOs e diversos outros carros.


Nas traseiras, existiam ainda mais dois longos edifícios, separados cerca de 15 metros, com lâminas de chapa entre eles, suficiente para proteger do sol, mas que deixavam passar a chuva. Debaixo dele, mais 300 automóveis, na sua maioria Mercedes 500 SEL e SL, todos pretos, muitos com as janelas abertas, a apodrecer completamente. Todos com volante à direita, mas sem airbags nem taxas pagas... portanto sem interesse para serem vendidos em Inglaterra; e sem os airbags, difícies de vender na Austália ou Nova-Zelândia. Muitos eram modelos AMG, com interior em carbono ou madeira, e os seus motores alterados.

Um Rolls descapotável mais recente estava ao lado dos mercedes, mas com direito a um tecto em condições e mais protecção. Quando abri a porta vi que o seu interior tinha estado tão quente, que o revestimento de espuma do volante tinha derretido e formado uma poça de espuma derretida no lugar do condutor. O revestimento em couro permanecia agarrado ao aro de metal despido do volante, qual preservativo usado. Todo o interior estava gasto pelo calor tropical e humidade, e as partes de couro estavam cinzentas com mofo.


Noutros edifícios mais pequenos estava carros para outros membros da família real, com um deles a guardar cerca de 60 automóveis bastante estranhos, quase todos em amarelo brilhante, e incluindo uma fila de carrinhas Bentely com tracção às quatro rodas.
Existiam também alguns Lamborghinis recentes, quase todos amarelos, e um Ferrari preto 456 Venice com vidros espelhados. Noutro edifício, uma sala cheia de motos topo de gama. Noutra sala, centenas ou milhares de caixas vazias de relógios Rolex, Cartier e Patek Philippe. Cá fora, uma fila de alguns carros menos nobres, como Corvettes, todos destruídos pelo sol e chuva. Quando em 1998 o dinheiro acabou, com ele foram todos os empregados que tratavam de manter toda a colecção em perfeitas condições.

Um antigo empregados responsáveis pelos Rolls-Bentely comentava que durante a década de 90, a Bentely conseguiu sobreviver graças à frota de automóveis de luxo que o Sultão mantinha para viajar na única auto-estrada do país. Um Rolls-Royce permanece continuamente em funcionamento à porta do Sultão, para que esteja pronto sempre que ele assim o entender.
O pessoal da Rolls-Bentley rezava para que em caso de revolta no país, a garagem fosse incendiada e destruída, caso contrário o mercado de Rolls-Bentleys usados ficaria inundado durante anos.

Dos 2500 carros na colecção, menos de 100 eram ferraris, e apenas uma centena deles no total teriam interesse comercial. Todos tinham pouca quilometragem, mas todos sofriam de graves problemas de manutenção. Nenhum deles tinha sido posto a trabalhar nos últimos 5 anos. As nossas ofertas foram aceites pelo importador que nos tinha proposto os veículos, mas os mesmos vieram sem papeis de manutenção. Pior ainda, vieram também sem papeis registo, o que tornou quase impossível conseguir exportá-los do pais, com o receio dos responsáveis em cometer algum erro ao deixar exportar um carro do Sultão.

Não nos foi permitido visitar nenhum dos muitos outros palácios pertencentes aos restantes membros da família real, cada um com a sua garagem subterrânea e colecção privada de veículos, embora apenas o Sultão mantenha mais que umas poucas centenas de carros. No caso do Sultão, o dinheiro continua a não ser um problema, e como tal, continua a coleccionar os mais recentes modelos que existem. Modelos que não pudemos ver, já que nunca estarão disponíveis para venda.


Esta viagem foi uma espantosa aventura cultural e automobilística. Não conseguimos comprar e trazer nenhum dos carros que pretendiamos, e os anos que entretanto passaram deverão ter destruido ainda mais carros. Quem manda não tem qualquer interesse em salvar ou vender esta colecção, ou torná-la numa atracção turística, já que poderia ser politicamente embaraçoso. Portanto... não fazem nada.

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